Protestantismo à brasileira

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Os
evangélicos continuam em forte ascensão no Brasil. Apenas na última
década, mais de 16 milhões brasileiros se converteram às mais variadas
denominações protestantes. De acordo com dados do Censo de 2010,
divulgados recentemente pelo IBGE, os evangélicos somam 42,3 milhões de
fiéis, ou 22,2% da população. Trata-se da religião que mais cresce no
País, a custa de um constante declínio católico. Os seguidores da Igreja
de Roma passaram de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010.
Se
mantida a tendência, os evangélicos podem chegar a um terço da
população em dez anos. Não é bem o que os pastores mais otimistas
previam, mas ainda assim é um grande feito. Há três anos, o Serviço de
Evangelização para a América Latina, organização protestante de estudos
teológicos conhecida pela sigla Sepal, estimou que a metade dos
brasileiros seria evangélica até 2020. Mas o crescimento protestante
parece ter atingido o seu ápice nos anos 1990, quando o número de fiéis
aumentou 71%. Na década seguinte, a expansão diminuiu o ritmo e ficou em
41%.
O
boom evangélico estaria próximo do fim? “Não dá para tratar uma
expansão tão acentuada como algo banal ou como a expressão de um
enfraquecimento deste segmento religioso”, afirma a socióloga Christina
Vital, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e
pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser). “Seria um
grande equivoco dizer isso, já que se trata de um crescimento de mais de
40%!”. Em entrevista a CartaCapital, a especialista avalia o fenômeno
da explosão numérica dos fiéis e as suas consequências para a sociedade.
CartaCapital: O boom evangélico está próximo do fim?
Christina Vital:
Parte das análises sobre os dados de religião do Censo 2010 nos
conduzem para uma conclusão: o crescimento evangélico atingiu o seu
auge. Estas análises privilegiam a perspectiva do “copo vazio”. Logo,
acentuariam a desaceleração do crescimento evangélico em detrimento de
buscarem entender o que significa um crescimento de mais de 40% de um
segmento religioso. Entendo que as análises do tipo “copo vazio” estão
referidas a expectativas vindas do próprio campo evangélico e também
anunciadas por estudiosos da religião no Brasil que anunciavam um
crescimento mais expressivo.
CC: O que explica o boom dos anos 1990?
CV:
O aumento de décadas passadas estava referido a um contexto de mudanças
na sociedade ao longo da década de 1980 e que se refletiria no Censo de
1990: êxodo rural (os evangélicos são mais presentes no meio urbano) e a
forte rede de solidariedade que os evangélicos oferecem para estes que
estão, muitas vezes, longe da família. Também o crescimento dos
evangélicos no espaço público seja através da política, seja através da
presença na mídia televisiva, além da nova perspectiva cristã que o
surgimento dos neopentecostais ofereceu para os que já estavam
acostumados com a mensagem bíblica nas igrejas evangélicas históricas,
nas pentecostais mais tradicionais ou mesmo no catolicismo.
CC: O movimento neopentecostal foi o grande protagonista da explosão numérica dos evangélicos?
CV:
A partir, sobretudo, de meados da década de 1990, uma série de embates
começam a emergir no campo religioso brasileiro. O elemento central das
várias controvérsias em curso foi o segmento neopentecostal. Estas
controvérsias atingiram também, em termos de imagem pública, os
pentecostais de modo geral. Mas, com todas as polêmicas e críticas em
torno das doutrinas e rituais evangélicos, eles continuaram em
crescimento. Assim, eram 3,4% em 1950; 4% em 1960; 5,2% em 1970, 6,6% em
1980, 9% em 1990; 15,5% em 2000 e agora atingiram 22% da população
nacional. Para além de pensar no crescimento percentual que é
expressivo, saliento, vale uma reflexão sobre o papel que este segmento
religioso tem em nossa cultura.
CC: Quais são as principais contribuições?
CV:
O Brasil que tem sua identidade social e cultural amplamente
atravessada pelo cristianismo católico. Das últimas décadas para cá, vem
sendo afetado pela cultura evangélica seja através do mercado gospel,
seja através da articulação de uma gramática tão singularmente acionada
pelos seus fiéis. Sendo assim, é comum escutarmos expressões como “só
Jesus”; “fulano é um abençoado”, “o sangue de Jesus tem poder”, “tá
amarrado”, entre outras. No País, falou-se sempre de uma religiosidade
católica difusa que envolvia uma crença compartilhada em certos valores
professados pela igreja católica e em um certo repertório sagrado que
tinha a ver com a não prática da religião, mas na crença em alguns de
seus sacramentos e na força de alguns de seus santos. Mais recentemente
observa-se uma religiosidade evangélica difusa, sobretudo no meio
popular, mas que se espraia, paulatinamente, para toda a nossa
sociedade.
CC: Trata-se de um fenômeno cultural?
CV:
Sim, e o meio artístico tem sido importante para isto. Há duplas
sertanejas e grupos de pagode que cantam canções evangélicas ou fazem
menções a elas. Existem grupos de rap e de funk que articulam a
gramática evangélica através de expressões e de acionamento de imagens e
situações comumente articuladas pelas lideranças evangélicas em seus
cultos seja nas igrejas, nas prisões ou entre traficantes nas favelas.
Sendo assim, não olho para o crescimento de mais de 40% dos evangélicos
no Brasil do Censo de 2000 para 2010 como algo banal ou como a expressão
de um enfraquecimento deste segmento religioso! Mas esta perspectiva,
comso disse inicialmente, está muito informada pelas projeções que
marcavam um crescimento maior, sem considerar que em momento anterior a
sociedade como um todo passava por muitas transformações em diferentes
campos da vida social (econômico, político, cultural) e que o campo
religioso foi somente mais um deles a ser grandemente afetado.
CC: A senhora acredita que o Brasil terá maioria evangélica em algum momento?
CV:
A força da nossa tradição cultural forjada pela articulação política,
social e econômica entre Estado, Igreja Católica e elites rurais nos
dificulta pensar numa maioria evangélica que implicasse na formação de
uma sociedade ascética. No entanto, chamo atenção para o fato de que a
sociedade está em movimento e também o campo religioso que pode promover
adaptações que venham a surpreender e resultar num crescimento
igualmente surpreendente.

Os evangélicos já somam um quinto da população e exercem mais influência na sociedade do que se imagina, analisa especialista.
CC: O que explica o elevado percentual de “evangélicos não determinados” do último Censo (4,8% da população brasileira)?
CV: Estes
dados podem indicar que o fluxo de entrada e saída de fiéis das
denominações evangélicas é muito acentuado. Isto poderia, por seu turno,
indicar que tanto os fiéis estão mudando quanto podem estar sendo mais
flexíveis as próprias igrejas evangélicas na relação com o seu público
alvo. Por outro lado, observamos um crescimento das igrejas históricas
renovadas, que seria o movimento pentecostal entre as denominações ditas
tradicionais ou históricas. Este crescimento poderia sinalizar, como
alguns sociólogos da religião vem defendendo, um modo de viver a fé
pentecostal sem se expor à imagem controversa que desfrutam os
evangélicos pentecostais. Uma imagem negativa por vezes ligada à
intolerância, ao baixo nível educacional, ao enriquecimento ilícito dos
líderes religiosos.
CC: Alguns pesquisadores sustentam que a expansão também se deve à flexibilização dos costumes entre os evangélicos.
CV:
É fato que as igrejas evangélicas, pela descentralidade que caracteriza
este universo, em oposição à Igreja Católica Apostólica Romana, são
mais flexíveis. As igrejas evangélicas têm grande capacidade de se
adaptarem ao público alvo desta e daquela denominação. Adaptam-se em
termos discursivos, doutrinários e ritualísticos ao meio urbano e ao
meio rural, às minorias (lembrando que há igrejas evangélicas chamadas
inclusivas, isto é, que são dirigidas por gays), etc. No entanto, não
vejo esta flexibilidade como uma continuidade em relação a padrões
culturais existentes. O mundo evangélico é de acolhimento, de
aproximação para a transformação para os padrões morais que professam.
Sendo assim, avançam entre grupos que poderiam parecer antagônicos a
esta fé, mas o fazem justamente numa perspectiva de cura. Sempre a cura!

Produtos trazem mensagens de fé em lojas segmentadas.
CC: Curar os que se desviaram da doutrina cristã?
CV:
Esta é uma dimensão importante no imaginário evangélico. E assim
avançam entre os rockeiros, funkeiros, traficantes, prostitutas,
pagodeiros, mas com uma perspectiva proselitista que visa transformar
grupos e pessoas. Em termos políticos, sociais e econômicos este
segmento já causou muito impacto e continua causando. Só para tratarmos
do primeiro ponto, no cenário político nacional e de alguns estados, o
elemento religioso é absolutamente fundamental, decisivo.
CC: Qual é o grau de influência política dos evangélicos?
CV: Vimos
como eles tiveram importância nas eleições presidenciais de 2010, na
qual assumiram papel de destaque na polêmica em torno do aborto. O tema
entrou na agenda política a ser tratada pelos candidatos. Também tiveram
papel de destaque na controvérsia em torno do Kit Anti-homofobia para
as escolas públicas e do caso Palocci. Enfim, a presença evangélica
remexeu tanto o campo político nacional que começamos a assistir nas
campanhas para os cargos eletivos nacionais, estaduais e municiais a
apresentação da identidade religiosa dos candidatos. A identidade
católica, que de tão hegemônica não precisava ser mencionada, passou a
ser mencionada. Também a identidade de candidatos espíritas e ligados a
religiões de matriz africana. Todos nós assistimos recentemente a
formação do que vem sendo chamada de frente parlamentar de terreiros,
por exemplo.
Fonte: Carta Capital
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